Infelizmente
as greves tem sido uma realidade cada vez mais frequente no cenário do serviço
público brasileiro, sobretudo na Educação e mais particularmente nas Instituições
Federais de Ensino Superior, incluindo nossa querida UFSCar.
Muito
se discute sobre os motivos das greves, se este é um instrumento válido ou não
como forma de pressão e etc, mas este não é o objetivo deste post. Apesar das
greves serem fruto de um processo que está sempre sofrendo a influencia de
novos acontecimentos, o que iremos abordar aqui trata mais daquilo que é comum
e que parece se repetir a cada nova greve. Bom, assim que vocês lerem o texto a
seguir talvez fique mais claro o que queremos dizer.
Este
texto foi encontrado nos arquivos antigos do CA e refere-se a um manifesto
escrito por um ex-aluno do curso de Psicologia da UFSCar sobre o momento de greve
que os alunos e professores estavam vivendo em 1998. Só para contextualizar um
pouco, segundo o site da Folha de São Paulo, em 1998 houve uma greve nacional realizada em conjunto pelos docentes e servidores das Ifes
(Instituições Federais de Ensino Superior) e que perdurou por 103 dias,
começando no dia 1º de abril daquele ano e estendendo-se até o dia 30 de junho.
Apesar do texto ter sido escrito há 14 anos, ele ainda continua muito atual.
“Colega aluno ou professor,
A partir da
leitura deste manifesto, realizada na reunião dos docentes do Departamento de
Psicologia que ocorreu na segunda-feira, 22 de abril, às 14h, foi marcada outra
reunião para quinta-feira, 25 de abril, às 9h no Anfiteatro da Babilônia I. O
Conteúdo deste manifesto serve para orientar uma melhor interação
professor-aluno neste momento de Greve.
Meu
manifesto aos professores do curso de Psicologia da UFSCar.
Refletindo
nesse momento de greve sobre a interação professor-aluno, sinto-me insatisfeito
em dois pontos: com a vossa participação nas Assembleias; na troca de
informação políticas conosco, alunos.
O
primeiro ponto concluo juntando fatos para mim surpreendentes: a participação
dos professores nos debates tem sido muito pequena. Tanto em número como em
discussão.
Quem
sou eu para levantar o que acabo de descrever, mas a leitura que faço dessas
observações é a seguinte: muitos que ali nas Assembleias não estavam, não o
fizeram por outros motivos que não tenho e nem devo ter acesso. Entretanto, é
aí que eu questiono: “O professor está resolvendo seus problemas particulares e
demais afazeres profissionais, mas seriam as discussões das Assembleias algo
que nada tem a ver com a sua vida?”.
Em
se tratando da discussão nos debates, comparado ao tópico acima, é menor ainda.
E eu me pergunto: “Estariam os professores analisando psicologicamente a
situação?”. Pois, os poucos que da voz ativa utilizaram foi por uma questão de
ordem.
Reconheço
que essa expectativa eu não deveria criar, porém esperava um pouco mais de
vossa participação. Aliás, relembro aqui que a orientação passada aos alunos
deste curso é a de ter olhos críticos para poder questionar o que o mundo
acadêmico oferece, sendo esse um recorte da realidade.
E
por falar em orientação, vou um pouco mais fundo. Parafraseando um momento há
pouco vivido por nós aqui na Universidade, “que valores buscamos?”.
Alguns
de vocês são pais e aí que eu quero chegar. “Estariam vocês discutindo a
situação em casa?”. Ou seria como muitas vezes ocorre nas famílias e eu vivo
isso. Os pais para não demonstrarem a situação de insegurança e reflexão, nada
ou muito pouco do que leem e assistem nos telejornais discutem com os filhos.
No meu caso, na atual situação, sou orientado a não me envolver em passeatas,
perder tempo com Assembleias, etc... “Vá estudar que você ganha mais!”. A situação dos meus colegas não é muito
diferente. Em alguns casos o pai diz: “Se forem cobrar mensalidades, eu pago”.
Ou seja, a visão mercantilista é instigada em troca de um mínimo de ideias e
valores políticos. Talvez a ideia de alguns pais, que em idade igual a de
alguns professores, tenha suas razões. Pois alguns, senão viveram, acompanharam
um período mais opressor na história política deste país. No
entanto a minha geração convive com uma censura que permite, “teoricamente”, a
liberdade de expressão.
O
segundo questionamento é sobre a nossa interação. Diz respeito a falta de
discussão política dentro das salas de aula.
Tenho
certeza que se essa conversa, que nesse momento ocorre, fosse vivida em 5 ou 10
minutos das aulas ou, em uma aula do mês, a maneira de tratar a atual situação
seria diferente. Sim, porque, mais uma vez vou aos fatos: sem falar dos boatos
e Assembleias anteriores, até terça-feira, 16 de abril, dia no qual eu como
aluno recebi três recados por parte dos colegas do DCE que interviram às aulas,
não vi sequer um professor parar a aula para falar sobre o assunto. A não ser
expressões como: “É, o negócio está feio”, ou “Vocês precisam se informar, é
muito importante a participação de vocês”. Exceto em uma aula, o professor
discutiu e aí sim falamos do que cada um está informado, o que significa se
organizar num momento como esse e estar atento às votações em Assembleia. Contudo,
mesmo sendo de grande utilidade as ideias que trocamos nesta aula, o
entrosamento veio um pouco tarde.
Mais
uma expectativa por mim criada e não sei se posso exigir algo. Mas é frustrante
saber que dos seis professores com quem me encontro com certeza toda semana
(para não falar nos outros sem compromisso) nenhum interrompeu a sua
santificada disciplina para discutirmos. E pior, cheguei a ouvir um professor
dizer “E agora essa encheção de saco!”.
Posso
não estar certo em minha queixa. Vocês podem estar pensando, assim como já se
falou em vossa Assembleia: “os alunos tem o seu diretório para se organizar”.
Porém, trata-se até de economia saber que, com a orientação política em sala de
aula, uma pessoa abre discussão para 40 falarem. Mesmo porque tenho colegas
que, se não é o professor para solicitar uma discussão, eles fazem de conta
que, assim como vocês, não se trata de algo tão importante como conduzir o
curso.
Conversando
com os mesmos colegas a esse respeito, ouço sempre o consolo de que cada pessoa
tem o seu ritmo, não adianta querer discutir se não há interesse. Mais uma vez
me pergunto, e faço o mesmo a vocês: “Há 15 meses sem receber um reajuste
salarial, com os recursos para se trabalhar deficitários, com a ameaça de em
breve serem cobradas mensalidades para estudar, podendo a curto prazo ter nas
escolas professores não graduados dando aulas; será que não é mais do que
suficiente para perceber que uma das tragédias que todos os dias é vista à
distância nos jornais, já nos envolve?”.
Para
terminar, gostaria de lembrar que enquanto os professores sentam, discutem,
divergem, votam; enquanto não tem uma posição e uma ação definida, uma passeata
e um jantar já foram realizados. E, diga-se de passagem, não vi um professor
participar de qualquer um dos dois atos.
Uma
coisa é certa, alguns alunos já discutiram e estão agindo. Se é a melhor opção,
não sei. O que sei é que algumas atitudes já estão sendo tomadas. E, parte do
Departamento de Psicologia, se uma interação professor-aluno estivesse vem resolvida,
tanto vocês, como outros colegas meus estariam tendo uma maior participação
nesta greve.
Atenciosamente,
Erik Luca de Mello”
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