Aos que menosprezam o centro acadêmico
É comum a opinião de que, ao entrar na faculdade, você tem que optar por
um dos dois caminhos: estudar ou militar. Segundo essa idéia, ou você será um
pelego ou será um esquerdista atrapalhado. Todavia, não há nada mais perigoso
do que essa distinção entre “vida acadêmica” e “vida política”, essa
concorrência entre assembleias e sala de aula.
Em primeiro lugar, essa concorrência é falsa por definição. Na sala de
aula somos alunos, no centro acadêmico somos estudantes. Quer dizer, é
impossível pressupor uma concorrência entre estudos e militância, pois é
impossível que essa concorrência ocorra, dado que ambos são de naturezas (e ocorrem
em tempos) diferentes. Quando estamos na sala de aula, na biblioteca, enfim,
estamos no tempo da reflexão, estamos aprendendo constantemente um certo tema
predefinido. Quando estamos no centro acadêmico, nas assembleias, estamos no
tempo da ação (ou da ação refletida, se se quiser), estamos aprendendo fazendo.
Ou seja, a “vida política” não apenas não concorre com a “vida acadêmica”, mas
lhe é complementar, e, mais ainda, necessariamente complementar, dado que é
impossível que a militância tome lugar de algo que lhe é de uma natureza
diferente. Esta relação, é importante ressaltar, é biunívoca, ou seja, os
estudos também não substituem a militância.
Em segundo lugar há uma questão que decorre da primeira: é a
concorrência pelo tempo. Quer dizer, mesmo sendo verdade que, por definição,
não há concorrência entre sala de aula e centro acadêmico, na prática temos que
escolher um dos dois para “se dedicar mais”, isto é, não há tempo para os dois.
Esse argumento, contudo, não é suficiente, pois se trata apenas de cada um
organizar seu tempo melhor. Para os que estudam demais, é sempre possível (e
bom, saudável) abrir uma ou duas horas por semana para o centro acadêmico (o
que é pouquíssima coisa). Para os que “militam demais”, é preciso pedir que
tomem vergonha na cara e vão para a sala de aula. Problema resolvido.
O terceiro problema, e provavelmente o pior, costuma ser visto apenas do
lado dos que se dizem apenas alunos: “centro acadêmico é negócio do
otário”, dizem, “vocês nunca vão fazer revolução, nunca vão mudar nada”. Sem
entrar no mérito de se é verdade ou não que o centro acadêmico busca fazer a
revolução, essa argumentação implica num problema filosófico: o que é mudar
alguma coisa? Será que no mundo em que vivemos (na universidade em que
estudamos) já não é suficientemente “revolucionário” questionar a ordem
vigente?, tarefa própria do centro acadêmico. O C.A. é, assim, uma ilha no meio
do mar (bravo) da academia. Com toda a bagunça de pesquisa, de aula, de
organização de eventos, etc, é só pelo centro acadêmico que podemos
“vislumbrar” tudo isso (a conseqüência mais natural é ficar impelido pelo
desejo de mudança, mas essa também não é a questão aqui). Assim, com todo o
respeito possível, parece que seria negócio de otário não participar do centro
acadêmico, ficar só na “lengalenga” da sala de aula. (O argumento vale da mesma
forma para quem fica só na militância).
Por fim, é importante lembrar que essa distinção entre “vida acadêmica”
e “vida política” só pode ser feita conceitualmente (e, por isso, é tão
perigosa se usada comumente no dia-a-dia), dado que na universidade a política
está na academia, e vice-versa. Para compreender a universidade é necessário
compreender a estrutura de poder dentro dela, e, para compreender a estrutura
de poder é necessário compreender a universidade. O tempo reflexivo não se
separa do tempo da ação. Daí mais um motivo para não deixar o centro acadêmico:
fazê-lo é matar metade (no mínimo) da sua “vida acadêmica”, e justamente aquela
mais importante, a que permite aplicar “de fato” o que se aprende na sala de
aula para melhorar a sua vida (ou, se se for menos egoísta, para melhorar a sua
universidade... se se for menos egoísta ainda, para melhorar o mundo).